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REFLEXO CONDICIONADO

  • Zaga Mattos
  • 10 de out. de 2023
  • 2 min de leitura

“Pena que é pecado” foi a maneira que encontrou para dizer como havia sido bom o primeiro encontro. Ela sorriu, satisfeita e vaidosa. Ficava no ar a possibilidade de novas incursões pelo lençol daquele motel. Ao fundo, o lamento de “Oração Caribe”, bolero que implora perdão aos que amam, aos que sofrem. Pensou: e se um dia na programação musical colocarem aquela da Ângela Maria, a do “avental todo sujo de ovo/ se eu pudesse eu queria outra vez, mamãe/ começar tudo, tudo de novo!” Seria, sem dúvida, um festival de remorsos. Muitos voltariam, com olhos marejados, aos braços da patroa, a quem, incestuosamente, costumam chamar de “mãe”, como forma de carinho.


Logo deixou para lá os “maus” pensamentos. Pensou que já era hora de voltar para o escritório. Tinha pela frente todo o expediente da tarde. Voltaria aos surrados livros “Diário”, “Contas a Pagar”... Tinha até a ponta do indicador mais fina de tanto passá-lo na língua e folhear as notas fiscais dos clientes do escritório de contabilidade. Os encontros furtivos à hora do almoço é que lhe davam forças para enfrentar o batente e agüentar a visão das prateleiras atopetadas de livros e papeladas.


Nos braços dos amores ocasionais, esquecia-se de tudo. Até mesmo do vermelho na conta bancária. E olhe que era de levar na ponta do lápis as despesas. Escolhia o motel que franqueasse o almoço. E aí, então, já tinha na ponta da língua o pedido: traz uma cerveja e frango a passarinho. A dica lhe fora dada por um amigo: - não vá de peixe e nem de carne. Pode dar problema... O frango frito não tem erro. Já viu alguém ter disenteria por causa de frango?


Uma coxinha, uma asa e uma talagada de cerveja. Chegava até a estalar a língua de satisfação. Estava como o diabo gosta: recostado no travesseiro, o prato sobre a barriga, os pés roçando a companheira e a espuma da cerveja molhando o bigode ralo. Sabia que depois do regalo gastronômico, viria nova sessão de prazer, verdadeiramente da carne. Esse era o roteiro: franguinho frito e sexo.


Assim ia levando a vida. Beijos na patroa ao sair para o trabalho, deixar as crianças na escola, enfrentar o mau humor do Eustáquio no escritório, a fugidinha para o motel, as novelas das oito e, amanhã, começar de novo.


Tudo ia bem até o dia em que percebeu que teria que mudar algo em sua vida. Foi quando, no dia das mães, levou a mulher, os filhos e a sogra para almoçar em Santa Felicidade. Bastou os garçons trazerem a comida à mesa, para a mulher sorrir satisfeita com o que vira e dizer ao pé do ouvido: ai, pai, como você tá... Vai me dar esse presente?


Havia sido traído pela excitação ao ver coxinhas e asas de frango fritas...

 
 
 

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Com um nome de 34 letras resolvi facilitar a comunicação e adotei, de vez, o Zaga Mattos. Jornalista, hoje, por ócio do ofício, escritor.

 

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